Um primeiro passo - importante, embora ainda insuficiente - foi dado, no âmbito da Organização das Nações Unidas (ONU), para se enfrentar o desafio dos dejetos espaciais - o lixo que ameaça cada vez mais a exploração e o uso do espaço exterior.
O Subcomitê Técnico-Científico do Comitê da ONU para o Uso Pacífico do Espaço (COPUOS) aprovou as "Diretrizes para a Redução dos Dejetos Espaciais", em sua 44ª reunião, realizada em Viena, Áustria, de 12 a 23 de Fevereiro último. É o primeiro resultado concreto atingido desde 1999, quando o COPUOS publicou seu "Informe Técnico sobre Dejetos Espaciais", reconhecendo os riscos que eles representam para os satélites e naves em órbita.
O novo documento define dejetos espaciais como "todos os objetos artificiais, inclusive seus fragmentos e os elementos componentes destes fragmentos, que estão em órbita terrestre ou regressam à atmosfera e que não são funcionais". O texto frisa que a quantidade de dejetos espaciais aumenta e multiplica as probabilidades de produzir colisões capazes de causar danos aos artefatos em plena atividade.
Admite também o perigo de que os dejetos, ao reingressarem à atmosfera, causem prejuízos e perdas na superfície da Terra. E conclui: "Por isso, considera-se prudente e necessário aplicar com presteza medidas adequadas para reduzir os dejetos espaciais, a fim de preservar o meio ambiente espacial para as futuras gerações".
Eis o texto das diretrizes, aprovadas como simples recomendações (a tradução é de minha responsabilidade):
"As seguintes diretrizes deveriam ser levadas em consideração no processo de planejamento das missões e das fases do projeto, de fabricação e funcionamento (lançamento, missão e eliminação) das naves espaciais e dos estágios orbitais dos veículos de lançamento.
1) Limitar os dejetos espaciais liberados durante o funcionamento normal dos sistemas espaciais.
Os sistemas espaciais deveriam ser projetados de modo a não liberarem dejetos espaciais durante o seu funcionamento normal. Quando isso não for viável, dever-se-ia minimizar os efeitos da liberação dos dejetos no meio ambiente espacial.
Nos primeiros decênios da era espacial, os projetistas de veículos de lançamento e de naves espaciais permitiam a liberação intencional em órbita terrestre de numerosos objetos ligados às missões, em particular coberturas de sensores, mecanismos de separação e peças de instalação. Esforços específicos empreendidos na fase do projeto, ao se reconhecer a ameaça criada por tais objetos, permitiram reduzir esta fonte de dejetos espaciais.
2) Minimizar os riscos de desintegração durante as fases operacionais.
As naves espaciais e os estágios orbitais dos veículos lançadores deveriam ser projetados de modo a que se possa prever modalidades de falhas capazes de provocar desintegrações acidentais. Deveriam ser planejadas e aplicadas medidas de eliminação e de passivação, para evitar desintegrações nos casos em que se detectem circunstâncias que ocasionem este tipo de falha.
Historicamente, algumas desintegrações foram causadas pelo mau funcionamento dos sistemas espaciais, como falhas catastróficas nos sistemas de propulsão e de energia. A possibilidade de ocorrerem tais catástrofes pode ser reduzida, ao se incorporarem possíveis hipóteses de desintegração na análise das modalidades de falhas.
3) Limitar os riscos de colisão acidental em órbita.
Ao se conceber o projeto e o perfil da missão das naves espaciais e estágios orbitais dos veículos de lançamento, deveriam ser calculadas e limitadas as probabilidades de colisão acidental com objetos conhecidos na fase de lançamento e de vida do sistema em órbita. Caso os dados orbitais disponíveis indiquem risco de colisão, deveria ser considerada a possibilidade de uma mudança da hora de lançamento ou de realização de manobra em órbita para evitar as colisões.
Já foram identificadas algumas colisões acidentais. Numerosos estudos indicam que, como o número e o volume de dejetos espaciais aumentam, é provável que as colisões se convertam na principal fonte de novos dejetos espaciais. Alguns Estados Membros e organizações internacionais já adotaram procedimentos para evitar colisões.
4) Evitar a destruição intencional e outras atividades danosas.
Uma vez reconhecido que o aumento dos riscos de colisão poderia pôr em perigo as operações espaciais, dever-se-ia evitar a destruição intencional dos estágios orbitais dos veículos de lançamento e das naves espaciais em órbita e outras atividades prejudiciais capazes de gerar dejetos de longa durabilidade. A desintegração intencional, se necessária, deveria ser efetuada a altitudes suficientemente baixas para limitar a vida em órbita dos fragmentos produzidos.
5) Minimizar os riscos de desintegrações provocadas ao final das missões pela energia armazenada.
Para limitar os riscos que as desintegrações acidentais representam para outras naves espaciais e estágios orbitais dos veículos de lançamento, dever-se-ia esgotar ou desativar todas as fontes de energia armazenadas a bordo, tão logo deixem de ser necessárias ao funcionamento da missão e à sua eliminação no final. A maior parte dos dejetos espaciais catalogados é, de longe, produzida pela fragmentação das naves espaciais e dos estágios dos veículos de lançamento.
Essas desintegrações, em sua maioria, não foram intencionais, e muitas delas ocorreram porque as naves espaciais e os estágios orbitais foram abandonados com considerável quantidade de energia armazenada. As medidas mais eficazes têm consistido em passivar as naves espaciais e os estágios orbitais dos veículos de lançamento no final da missão. O ato de passivar exige a eliminação de todas as formas de energia armazenada, em particular os resíduos de propulsores e os fluídos comprimidos, bem como a descarga dos acumuladores elétricos.
6) Limitar a presença prolongada de naves espaciais e fases orbitais de veículos de lançamento na região da órbita terrestre baixa (Low Earth Orbit - LEO), no final da missão.
As naves espaciais e os estágios orbitais dos veículos de lançamento, ao concluírem suas fases operacionais em órbitas situadas na região da LEO, deveriam ser removidos de suas órbitas de modo controlado. Não sendo isso possível, deveriam ser deslocadas para órbitas que evitem sua presença prolongada na região da LEO.
Ao se avaliarem possíveis soluções para remover objetos de órbitas terrestres baixas, deveria ser considerada a necessidade de assegurar que os dejetos que lograrem atingir a superfície terrestre não ofereçam riscos excessivos a pessoas e bens, em particular devido à contaminação ambiental causada por substâncias perigosas.
7) Limitar a interferência prolongada de naves espaciais e estágios orbitais dos veículos de lançamento na região da órbita terrestre geosincrônica (GEO), no final da missão.
As naves espaciais e os estágios dos veículos de lançamento, ao concluírem suas fases operacionais em órbitas que cruzem a região da órbita terrestre geosincrônica (GEO), deveriam ser removidos para órbitas de onde não possam causar interferência prolongada nessa região. Para os objetos espaciais situados na região da GEO ou próximo a ela, os riscos de futuras colisões podem ser reduzidos, se forem deslocados, no final da missão, para uma órbita acima da região da GEO, de onde não possam nela interferir nem a ela regressar." Esse documento será apreciado pelo COPUOS, durante sua reunião plenária, em Viena, a se realizar de 6 a 15 de Junho próximo.
Em recente reunião do Subcomitê Jurídico do COPUOS, realizada de 26 de Março a 5 de Abril, a delegação da Alemanha, com amplo apoio, inclusive do Brasil, tentou introduzir, na pauta da reunião do Subcomitê Jurídico de 2008, o exame do tema dos dejetos espaciais. Isso permitiria propor a conversão das "Diretrizes para a Redução dos Dejetos Espaciais" em documento, não apenas técnico, mas também com certo peso político. Intensas negociações foram promovidas com esse objetivo. Venceram-se muitos obstáculos. Ainda assim, não se atingiu o indispensável consenso. A Índia se manteve irredutível. Não aceita nenhuma discussão sobre a questão no Subcomitê Jurídico que possa redundar em regras, mesmo não obrigatórias, para se reduzir o lixo espacial. Teme que isso venha a onerar seu programa espacial em franco crescimento. Mas seria essa uma conduta razoável e justa para o conjunto das atividades espaciais hoje realizadas por dezenas de países? Resta saber que tratamento o COPUOS dará a tão relevante matéria, agora em Junho.

Por: José Monserrat Filho, vice-presidente da Associação Brasileira de Direito Aeronáutico e Espacial, membro da diretoria do Instituto Internacional de Direito Espacial.

Fonte: Revista Eco 21 nº124

Last modified: Tuesday, 13 August 2024, 12:15 PM